Caso você não acompanhe as notícias de futebol, sabia que haverá mais uma Copa no Brasil. Não é uma Copa do Mundo, mas sim uma edição da Copa América – campeonato de futebol que reúne as seleções da América do Sul quase anualmente. E a Copa América de 2021 será no Brasil.
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O anúncio foi feito pela Conmebol, a entidade que gere o futebol no continente, depois que as sedes originais, Colômbia e Argentina, caíram fora por motivos diferentes. O campeonato vai acontecer de 13 de junho a 10 de julho e as cidades-sede, ainda não anunciadas oficialmente, podem ser Brasília e algumas capitais do Centro-Oeste, com uma eventual final no Estádio do Maracanã.
O que te parece essa notícia? Se você é brasileiro e achou a decisão uma PUTA DE UMA CAGADA, este texto é para você. Abaixo vão alguns argumentos para poder usar com seus amigos nas discussões sobre a Copa América no Brasil.
Essa Copa América já era uma grande piada
Essa Copa América, agora marcada pra o Brasil, não deveria nem ser feita. E por motivos esportivos. Depois de 2007, a ideia da Conmebol era voltar a fazer a competição de quatro em quatro anos, seguindo em 2011 e 2015. Houve uma exceção em 2016, por ser o ano do Centenário da competição, e ela foi disputada nos Estados Unidos – um ano depois da edição normal, no Chile. Forçado, mas compreensível pela celebração.
Então, quatro anos depois de 2015, houve a Copa América de 2019, realizada no Brasil (lembra?). Mas eis que a Conmebol decide passar a realizar o torneiro simultaneamente à Eurocopa, seu equivalente europeu. Com uma edição da copa continental europeia programada para 2020 e a sul-americana recém-realizada, a Conmebol tinha a opção óbvia de esperar para fazer seu campeonato em 2024 em vez de 2023, certo? Errado. Ela inventou OUTRA Copa América para 2020. Assim, o campeonato que deveria acontecer a cada quatro anos rolaria QUATRO vezes entre 2015 e 2020.
Então veio a pandemia e uma nova oportunidade de desistir da ideia, esperando para 2024. E isso quase deu certo, não fossem os motivos abaixo.
É tudo uma questão de grana
Dois fatores pesaram na transferência da Copa América para o Brasil. O primeiro deles é uma questão de grana: o campeonato custa dinheiro – e rende muito mais para seus organizadores. A Conmebol tinha adiantado uma cota de US$ 10 milhões (parte do dinheiro que ela arrecada com patrocínios) às dez associações e confederações de futebol sul-americanas filiadas a ela. Cada confederação (a brasileira CBF, inclusive) recebeu US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,2 milhões) nesse adiantamento.
Caso a Copa América fosse cancelada, todo mundo teria que devolver o dinheiro. Imagine você trabalhando com o salário adiantado sem ter entregado seu trabalho e depois ficando comprometido com a dívida. Parece absurdo, não? Mas no futebol isso é regra. E quem manda no futebol NUNCA devolve dinheiro.
Mas também uma questão de política
O segundo fator é puramente político. A parceria entre a CBF (que gere a seleção brasileira e os campeonatos nacionais) e o Governo Federal é forte. As instituições trabalharam juntas para a volta do futebol (e outras atividades) em meio à pandemia em 2020 e pela realização da maior quantidade de campeonatos possíveis dentro da “normalidade” – com a conivência dos clubes, vale ressaltar.
Segundo o Globo Esporte, a Conmebol procurou o Governo Federal para a realização do torneio. Depois, em sua conta em português no Twiterr, a entidade agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro e à CBF por “abrir as portas desse país” para o “evento esportivo mais seguro do mundo”.
A realização do campeonato ajuda a narrativa da “normalidade” vendida pelo governo desde 2020. A mesma narrativa que não incentivou medidas efetivas de combate ao coronavírus e que, consequentemente, está sendo investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito como possível responsável por conduzir o país ao caos sanitário e econômico em que ele se encontra hoje.
A situação no Brasil, esse detalhe
A grande ideia da Conmebol foi, além de combinar os anos, copiar a Eurocopa também nas sedes divididas. A edição de 2020 (2021) seria realizada originalmente na Colômbia e na Argentina. Mas em meio a uma enorme crise sanitária e política, com protestos nas ruas e a população pedindo a paralização do futebol, os colombianos pediram o adiamento da Copa América. A Conmebol rejeitou e manteve o campeonato somente na Argentina.
Dez dias após a retirada da Colômbia como sede, contudo, foi a vez da Argentina. O argumento do governo argentino? O país não tem condições de sediar o torneio devido à situação da pandemia – o número de contágios e mortes vem subindo por lá nas últimas semanas.
Saindo de um país por crise política e de outro por crise sanitária, a Copa América acabou no Brasil, que tem ambas. Com média móvel de 1800 mortes por dia e 60 mil novos casos de coronavírus por semana, o país tem mais de 460 mil mortos pela doença. Somadas, Argentina e Colômbia têm menos de um terço deste número.
“Ah, mas se já está tendo jogo…”
Esse é o argumento que você vai ouvir bastante de quem acha que o campeonato não muda nada ou que o governo acertou ao trazer a Copa América para o Brasil – o que não necessariamente significa que a pessoa se importa com futebol, mas sim com o governo. É um bom ponto, contudo, que vale a pena ser levado em conta.
A realização de jogos de futebol “normalmente” no Brasil vem sendo discutida desde 2020. Por que futebol em um país com esse tanto de gente morrendo, afinal? Entre os pontos favoráveis à realização de jogos, os mais comuns são: no futebol, a menor parte dos envolvidos são jogadores ricos, há muitos funcionários de diferentes níveis e famílias que dependem da existência dos clubes (e muitos deles não sobrevivem sem jogos); o futebol ajuda o brasileiro a suportar a perda de entes queridos; sem bem gerido, o futebol pode ser um exemplo de cuidados como isolamento e controle; entre outros. Se isso é assim na prática, cabe a cada um concluir. Mas vale a reflexão.
Mas agora pensemos em quantos desses argumentos podem ser usados para a Copa América. Os jogadores (todos vacinados para a competição, vale destacar) são poucos e apenas os mais bem-sucedidos de seus países, mas os jornalistas e demais convidados e profissionais envolvidos nas partidas são muitos (e sem vacina). O campeonato tem acontecido mais do que deveria, sem grande diferença na vida do torcedor. Apenas a Conmebol e seus parceiros comerciais ganham dinheiro com isso.
Se isso te deixou dividido, pense assim: o Brasil, com quase meio milhão de mortos por causa do coronavírus, vai realizar um evento internacional que outros países se recusaram a sediar por causa do… coronavírus. Há BOM SENSO nisso?
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